Em São Paulo – Até 14 de janeiro, pode ser vista na Zipper Galeria, em São Paulo, a exposição “Imagem-Movimento” que, com curadoria de Nathalia Lavigne, reúne diversos artistas brasileiros que têm a fotografia como meio principal de expressão.

“O que distingue hoje uma imagem estática de uma imagem em movimento? Por muito tempo, a separação entre uma e outra parecia clara e quase polarizada: na fotografia, o ‘instante decisivo’ (Henri Cartier-Bresson) garantia o registro objetivo de uma certa realidade. Congelada para sempre naquele passado, era ao mesmo tempo imortalizada e indissociável da ideia da própria morte. A imagem cinematográfica, ao trazer a duração e o movimento como possibilidades de representação, surgia quase em contraponto aos aspectos fotográficos. O fluxo temporal libertava a imagem do passado e a trazia para o presente. A realidade parecia imediata e transparente, como se o mundo se apresentasse sem intermediários na tela do cinema.

Se a ilusão de retratar a passagem do tempo e o deslocamento espacial foi a grande mudança trazida pelo cinema em relação à fotografia, não demorou para que a distinção entre ambas as mídias passasse a ser questionada. Desde a década de 1960 que filmes como La Jetée (1962), de Chris Marker, feito quase inteiramente com fotogramas fixos; ou nostalgia (1971), de Hollis Frampton, em que as fotos mostradas na tela são incendiadas de repente, vem discutindo o tempo congelado da imagem apresentada em movimento. De forma similar, tal separação passou a ser confrontada também na fotografia – como demonstram as experiências extremas de Michael Wesely, que desenvolve câmeras especiais para captar fotos com tempo de exposição de meses ou anos, deixando a fluidez temporal como vestígio.

Normalmente associado ao cinema, o termo ‘imagem-movimento’ é trazido aqui como uma possibilidade de pensar a ideia de duração e mobilidade presentes na fotografia. Seja pela diversidade dos suportes, pela representação de processos de deslocamento ou pela hibridação de imagens de naturezas distintas, os trabalhos em questão têm o movimento como vocação ou sintoma.

Uma das primeiras artistas no Brasil a introduzir práticas da chamada fotografia expandida, Ana Vitória Mussi vem desde a década de 1970 explorando as categorizações mais tradicionais deste meio. Começou com intervenções em guache sobre fotos apropriadas de jornal, cobrindo-as com grandes sombras negras, como em Nadadora (1972) e Goleiro (1972); passou depois para o registro de imagens a partir da tela da TV, transformando o fotograma móvel em estático novamente, como em Mergulho na Imagem (1997), com cenas de saltos acrobáticos aplicadas em tijolos de vidro. O tema escolhido, quase sempre jogos esportivos, também revela o interesse pelo movimento em um duplo viés – tanto na representação quanto na migração de uma mídia para outra.

Processo semelhante é feito por Katia Maciel em Inútil Paisagem (2005). Partindo de 150 fotografias coladas digitalmente, a artista cria um vídeo que funciona como um travelling cinematográfico, mostrando a fachada de prédios na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro. Em um segundo momento, a câmera se desloca em sentido contrário – e as grades que antes cercavam os edifícios já não estão mais, foram eliminadas digitalmente.

Muros e barreiras são elementos igualmente frequentes na obra da argentina Graciela Sacco. O movimento, nesses casos, se apresenta associado a uma ideia de retenção e atravessamento – como na imagem do mar impressa sobre ripas de madeiras. Desde os anos 1980 que a artista explora técnicas pioneiras da fotografia, como a heliografia e a cianotipia, questionando a superfície bidimensional deste meio, com imagens ampliadas em materiais e objetos variados. Ao mesmo tempo, sua produção se relaciona intimamente a temas como trânsitos migratórios.

A mobilidade do suporte é também questão central na obra de Iris Helena. Cascas de paredes, recibos de pagamento e marcadores de papel são alguns dos materiais já utilizados pela artista para impressão de imagens associadas a contextos urbanos. Em Notas de Esquecimento (2009), o registro de praças e lugares de passagem de João Pessoa (PB) é impresso sobre uma infinidade de papéis post-its, evocando um aspecto transmutável da fotografia, com imagens que se esvaecem com a ação do tempo.

Processos de deslocamento aparecem ainda no trabalho documental Paisagem Submersa (2002-2008), realizado por João Castilho, Pedro Motta e Pedro David, que acompanhou a saída de moradores da região do Vale do Jequitinhonha (MG), atingidos pela construção da hidrelétrica de Irapé; ou Like Home, de André Penteado, com fotografias de plantas brasileiras no Jardim Botânico de Londres, feitas no período em que viveu no Reino Unido. O mesmo atravessamento geográfico também está presente em Sul x North (2010/2015), de Felipe Cama, com reproduções das pinturas de Marianne North (1830-1890), naturalista inglesa que retratou sistematicamente a paisagem do Rio de Janeiro, mostradas ao lado de fotos turísticas clicadas hoje nos mesmos locais. Ambas as imagens são apropriadas da esfera digital, como nos demais trabalhos do artista.

A circulação de imagens e o questionamento sobre suas diversas naturezas e origem aparece ainda na obra de Ricardo van Steen. Em Arquivo Tupi, ele parte de fotografias próprias ou encontradas em arquivo para alterá-las com interferências pictóricas, criando uma camada ficcional que simula um registro histórico. Exibidas dentro de uma urna com gavetas secretas, as imagens permanecem na fronteira de uma série de classificações – pictóricas ou fotográficas, documentais ou fictícias, próprias ou apropriadas.

Por fim, o tempo estendido da imagem estática está presente em Imagens Posteriores (2000-10), de Patricia Gouvêa, com registros de paisagens captados em veículos em movimento, questionando a relação entre mobilidade-imobilidade da experiência corporal no ato de contemplação. Ou no ensaio de Garagem Automática (2016), de Felipe Russo. Utilizando também longas exposições para captar imagens em edifícios garagem de São Paulo na quase total ausência de luz, como no poço de um elevador de carros, o artista transita em espaços ambivalentes entre o movimento e a contenção.

O instante, na fotografia, pode ainda ser decisivo. Mas quem sabe ele opere também em um tempo contínuo e permeável, como um instante em duração”. (Texto de Nathalia Lavigne)

Mais informações pelo site da Galeria. (Carta Campinas com informações de divulgação)