Por João Augusto Neves

joao-neves-foto-djA pergunta que trago no título deste ensaio, feita há alguns meses por um amigo durante nosso semanal bate-papo, serve como estímulo para atentarmos os ouvidos ao que os novos Disc Jockeys (DJ’s) estão dizendo enquanto ambientam os bailes.

Ao contrário dos desatentos dançantes, daqueles que primam apenas por Batidas Por Minutos (BPM’s) ou músicas que pedem um bom rebolado, atribuo especial atenção a este trabalho de decupagem promovida por estes artistas que brincam com as produções sonoras acumuladas neste século da indústria fonográfica. Inquieto com essa questão, fui, no último sábado (10/09/2016), ao distrito de Sousas/SP para a festa “Nervosa!”, e deste lugar pude compreender um pouco mais sobre os discursos organizados pelos DJ’s no instante de suas performances.

O espaço da Casa Real Brasil, a qual recebeu o referido evento, foi o palco para a apresentação de importantes nomes da atual experimentação sonora feita com Long Plays (LP’s) e Extended Plays (EP’s). O preenchimento harmônico e rítmico da festa ficaram a cargo dos DJ’s Rich Medina (Philadélfia/EUA), Barata (Salvador/BA), Pagu (Campinas/SP), Xegado (Uberlândia/MG) e Dom Stéfanis (Porto Alegre/RS).

O público estava servido de referências regionais e percursos investigativos de três regiões do país, além da intervenção de um pesquisador musical da “gringa”. No salão, no porão, na cozinha e na área externa da verde mansão eramos convidados por esses DJ’s a passear pela história da música diaspórica que forma nossa cultura Latino-americana. Nesse cenário todos dançavam, alguns fumavam e bebiam. Haviam paqueras, beijos e trocas de experiência. Enquanto isso, por meio das batidas e ondas sonoras, viajávamos por continentes e culturas do “terceiro mundo”.

Era por volta de 1h da madrugada quando Dom Stéfanis, já finalizando sua playlist que cruzava regiões dos vastos continentes Africano e Americano, anunciou o convidado DJ Xegado, o qual nos levaria, nos 45 minutos seguintes, para as rodas e rituais das culturas populares. O novo DJ chegou logo apresentando o seu “baianá” e entre as fortes batidas de tambor a cantoria começava: “Boa noite povo que eu cheguei. Mais uma vez apresentar meu baianá”.

Os corpos começavam a entrar no ritmo e identificar as pulsações que tomariam conta do salão. Mantendo o ritmo afro, a música seguinte anunciava os elementos que compunham o nosso baianá, era de Luanda e de Angola, vibravam as vozes do vinil, eram dos navios/mortuários negreiros que assentaram etnias em terras tupiniquins/guarani/caiapó/tupinamba. Na sequência, o DJ Xegado chamaria a atenção que “Preto velho tem cem anos, preto velho nunca teve paz. Preto velho quer morrer, preto velho não aguenta mais”. O berimbau e o atabaque continuariam compondo o ambiente, até que, por meio das técnicas de transição, colagem e artesanato sonoro, fomos tomados pelo repente nordestino que, cortado por um forte som de apito, nos colocava diante do Maracatu rural.

Distantes das músicas consagradas pelos meios de comunicação de massa, o salão estava envolvido com os sons das culturas populares e, atento a este ambiente construído, Xegado abre espaço para a rapper Karol Conka enfatizar e pedir para que os jovens presentes “ouçam esse som bem alto!”. Feito o pedido, fomos ao Mambo e ao Merengue, passamos para o Afrobeat, Groove – Jorge Ben sempre presente! – Funk, Rap e muita música regionalista. O DJ encerrou a primeira parte de sua performance com o salão cheio e todos provocados com as cores e plasticidades das músicas populares.

As 3h da madrugada quando Xegado retoma a pista com sua mixtape, os caminhos sonoros passaram pelo Olodum, Coco, Siriá, Carimbó, Repentes, Umbigada e, após 50 minutos de submersão nas culturas populares brasileira, sua despedida era ritmada por cantos Umbandistas: “O boa noite para quem é de boa noite. Bom dia para quem é de bom dia.” Neste tempo, os corpos não pararam de se mexer. As vibrações protagonizadas pelas batidas dos atabaques, pandeiros, afoxé, agogô, berimbau, caxixi, dentre outros, invadiram a todos.

Feita esta ambientação sobre a performance do DJ Xegado, voltemos a questão: Quais as tensões (ex)postas pela nova geração de DJ’s? Enquanto as transições musicais teciam o espaço, era levado a me perguntar quando, daqueles jovens brancos, superproduzidos com roupas de grifes e considerados parte da classe média campineira, estiveram presentes em festividades populares ou acompanharam manifestações das culturas negras e indígenas? Será que eles conhecem os quilombos urbanos que resistem na região metropolitana de Campinas? Quantos deles lutam contra os estigmas atribuídos àqueles que são protagonistas dessas práticas culturais? Complexidades que o capitalismo nos traz e que as performances dos atuais DJ’s faz saltar aos olhos.

As provocações musicais feitas pelo DJ Xegado, fruto de sua incansável pesquisa e de seu ouvido envolvido nas pulsões populares, nos coloca diante de uma encruzilhada, pois, naquelas horas que percorreram a festa “Nervosa”, os conflitos de classe, raça e gênero ganharam outras tonalidades. O evento era embalado por sonoridades estranhas àquele grupo social. No entanto, naquele instante houve tensionamentos que provocaram os dançarinos e fez com que as práticas culturais, historicamente marginalizadas, entrassem para a mansão (ou Casa-grande se preferirem) e “comandassem” o ritmo e, por extensão, os corpos presentes na festa.

Olhando por outro ângulo percebo também que Xegado põem em “xeque” a narrativa construída sobre a história da música popular brasileira. A linearidade da MPB é quebrada durante sua performance e no interstício de sua apresentação vemos o quanto nossas referências sonoras estão para além da Bossa Nova, da Tropicália e do Iê-iê-iê regimentados pela indústria cultural e por parte da historiografia preocupada com a história da música popular brasileira. Xegado traz para as pistas os sons que instigaram os artistas consagrados da MPB e relembra, aos ouvidos desatentos, que antes de Gil e Caetano muito baianá passou por aqui.

Dessa nova geração de DJ’s outras qualidades estão surgindo e por isso novas tensões estão sendo colocadas na pista. Então, som na caixa DJ!

SUGESTÕES:

DJ Formiga (Poeira Mixtape)

DJ Rich Medina (I have a dreams drums)

DJ Barata (Receita Drummoniana)
http://www.djbarata.mus.br/albums/receita-drummoniana/

DJ Rupture (Cumbia mix)

João Augusto Neves Pires é historiador e membro do grupo de Pesquisa em Música Popular: História, Produção e Linguagem da Unicamp e do Coletivo de Mídia Livre Vai Jão.