Dilma

Por Guilherme Boneto

Quando decidiram dar mais um golpe de Estado fantasiado com os ritos parlamentares, os golpistas talvez desejassem ter como vítima uma pessoa diferente de Dilma Rousseff. Eleita e reeleita presidenta da República, ela deu ontem mais uma demonstração de que entra para a história como a grande brasileira que é: permaneceu diante dos senadores por quase quinze horas, respondendo a cada um dos questionamentos com respeito e paciência. Pela manhã, fez um discurso de mais de 40 minutos no qual reitera a ruptura institucional gravíssima que advirá da aprovação do impeachment, e também a terrível mácula que será para o Senado e para a própria República a condenação de uma presidenta inocente. O único sinal de cansaço que demonstrou, já nas primeiras horas da noite, foi quando sua voz começou a falhar. Dilma tem quase 70 anos de idade.

Ela tem a perfeita dimensão de que todas as cartas ali já estão marcadas. Ainda que os senadores aliados afirmem que há, sim, chances do número mínimo de senadores votarem de forma contrária ao impeachment, a possibilidade real de isso acontecer é muito baixa. Sabendo disso, a presidenta foi ao Senado, acompanhada de uma comitiva que incluía o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o cantor e compositor Chico Buarque, e fez um discurso épico, que desmontou os senadores. Dentre tudo o que Dilma falou, me chamou a atenção uma frase em especial: “não esperem de mim o silêncio dos covardes”. Podemos traduzir assim: “vou lutar e denunciar o golpe até o último segundo, e depois”.

Todas as falas de Dilma Rousseff supostamente dirigidas aos senadores, em especial o discurso que ela fez antes do início dos questionamentos, tinham na verdade duas direções: a história e o país. Num futuro não muito distante, o impeachment da presidenta será estudado como a maior injustiça cometida após a redemocratização do Brasil, pelo menos até agora. Mas é interessante notar que os golpistas, por mais que tentem, em seu machismo e misoginia, reduzir a imagem da petista, ficam atabalhoados quando Dilma Rousseff se levanta: ela é, de fato, uma grande mulher. Sua disposição em lutar contra o que considera uma injustiça, com quase 70 anos de idade, é no mínimo admirável. O que ela vem suportando altivamente nos últimos seis meses é inumano, e lá estava ela ontem, parecendo perfeitamente bem.

Dilma dirigiu-se ao país e tinha um recado especial à esquerda. Uma vez aprovado o impeachment e consolidado o governo de Michel Temer, teremos de lutar diariamente para assegurar os direitos já conquistados pelos trabalhadores e as minorias sociais. Não podemos permitir que ameacem o pouco que temos, mais uma vez. Dilma Rousseff foi precisa em seu recado: lutem. Façam como eu estou fazendo depois de tudo o que me aconteceu, não se acovardem. Não deixem que façam mal ao nosso país.

Quem acompanhou as 15 horas da presidenta no Senado viu de fato uma peça de importância histórica, que seguramente será lembrada no futuro quando o golpe for estudado. A coragem de Dilma Rousseff é admirável. Tivemos como a chefe do nosso poder executivo uma mulher brava, de notável espírito republicano, que compareceu diante de seus algozes mais uma vez para desmontar, com absoluto sucesso, uma farsa.

Contaremos com muitas pessoas corajosas na luta contra o governo Temer, a começar por Dilma Rousseff. Se todos tivessem a sua coragem, brava presidenta, o Brasil certamente estaria em outra situação. Nos resta dizer: obrigado. Parece pouco, mas estou certo de que o reconhecimento deste país à senhora virá num futuro breve.