Por Luís Fernando Praga

cemMarço de 2014. Eu era apenas um garoto veterinário e ingênuo do interior.

Trazia intimamente a vontade de me expressar e de deixar que as palavras mostrassem a mim tudo o que elas eram capazes de ser, da maneira mais livre possível.

Tinha vontade de me conhecer através dos meus escritos, mais do que de me fazer conhecido.

Tinha vontade de descrever a vida como eu a via e de pensar a respeito do meu modo de vê-la enquanto a descrevesse pra mim.

Queria exercitar minha ironia sem maldade e fazer rir com as coisas de que eu rio.

Queria que quem me lesse experimentasse, por alguns instantes, como é pensar como eu penso. Queria colocar pulgas atrás de orelhas, ora com leveza e ora de forma chocante.

Desejava transmitir paz, beleza, conforto e esperança, pois sabia que eu precisava dessas coisas e talvez outras pessoas também precisassem.

Tinha vontade de confrontar o sistema e de questionar: tanto as pessoas interessadas em sua perpetuação quanto as acomodadas nele.

Almejava mostrar as belezas e maravilhas de um mundo que também tem horrores e dizer que uma coisa não anula a outra.

Tinha vontade de escrever sobre o que eu quisesse, mesmo que fosse lorota, no dia que eu quisesse e no formato que as palavras preferissem naquele dia.

Era preciso um espaço muito livre e aberto, onde todas aquelas palavras doces, brutas, profundas, profanas e sem noção que se acumulavam no meu pensamento pudessem ser enfileiradas do jeito maluco que eu pensava.

É, eu desejava tantas coisas que ainda não tinha até março de 2014, que não teria sido estranho se eu tivesse desistido por achar que era desejo demais, mas parece que a vida achou minhas solicitações bem plausíveis e começou a mexer os seus pauzinhos…

Não é segredo que tenho um posicionamento político contrário ao capitalismo, bem à esquerda da maioria, de tão à esquerda que eu gosto de ficar. Apesar disso, sou um ser humano apartidário e, como a Terra é essa bola, se tem alguém à minha direita e eu caminhar muito pra esquerda, logo encontro de novo esse meu amigo da direita (agora à esquerda) e seguro a sua mão. Não há como fugir do “partido da humanidade”.

Nesses encontros que a vida gosta de promover quando mexe seus pauzinhos, meu amigo Glauco Cortez, coordenador do Carta Campinas, um site também com discretas nuances esquerdistas, um dia demonstrou interesse no meu trabalho e me convidou para compor sua equipe de colunistas.

Minha vida era corrida, mas afinal eu teria aquele espaço desejado pra criar minhas palavras mais soltinhas. Consultei minha família e meu mapa astral, mas só agarrei a proposta quando Glauco me ofereceu um pão com mortadela em troca do meu engajamento.

Não é segredo pra ninguém que o pão com mortadela é quase tão apreciado como* criancinhas no cardápio de um esquerdista que se prepara para implantar a ditadura bolivariana (*que fique claro que este “como” está sendo usado na forma de conjunção comparativa e não, na 1ª pessoa do singular do verbo comer, por enquanto).

Barriguinha cheia, olhinhos piscantes, aceitei o cargo e impus-me a meta de escrever um texto por semana.

Logo recebi uma ligação do Carta Campinas pedindo que eu escolhesse o nome com que assinaria minhas publicações e um título para a coluna. Não tenho paciência com esse pessoal de telemarketing e, como naquele exato momento eu exterminava gafanhotos da minha plantação de tabaco cubano e assistia a uma competição de ginástica artística chinesa, respondi o que me deu na telha: Luís Fernando, Praga! Coluna Flexível! E bati o telefone na cara da mocinha.

Na primeira pubpeladoslicação, “Esperança nos bebês pelados”: http://cartacampinas.com.br/2014/03/esperanca-nos-bebes-/ , um texto austero, de conteúdo político e social; eu ainda precisava empurrar umas palavras, caipironas e inibidas como eu, para colocá-las onde eu as queria. Eu tinha dificuldades com os plural e alguns poblemas com a palavra pobrema, mas isso não foi um probema e esse primeiro texto já foi lido por quase minha mãe e mais um.

Daí pra frente, eu e as palavras fomos nos entendendo melhor. Elas próprias passaram a conversar mais entre si enquanto eu dormia. Houve ocasião de eu acordar e elas já estarem ansiosas, com o texto prontinho e… ai de mim se tentasse mudar alguma coisa! Foi assim, por exemplo, com o poeminha “Pra todo mundo ver”, presente na “Pequena coletânea do interior”:  http://cartacampinas.com.br/2014/05/pequena-coletanea-do-interior/ .

Não sei se são os pauzinhos da vida mexendo comigo ou se isso virou uma cachaça em minha vida ou se é pelo pão com mortadela que o Glauco me fornecia toda semana (é, fornecia; com a crise ele cortou a mortadela), eu fiquei escrevendo, escrevendo coisas e não vi o tempo passar.

Hoje, quando olho pra trás e vejo que a descompromissada “Coluna Flexível”: http://cartacampinas.com.br/category/luisfernandopraga/  já deu ao “Luís Fernando Praga” todas aquelas tantas coisas que ele desejava antes de março de 2014, tenho que ser grato à vida. Quando olho pra dentro de mim e vejo que as minhas palavrinhas ainda têm muito a me revelar, não posso deixar de ser uma pessoa cheia de esperanças e com uma vontade muito grande de continuar fazendo essas coisas que me fazem bem.

Um dia eu escrevi: “liberdade é escrever o que temo que me leiam”. Mas hoje já não tenho medo de escrever absolutamente nada, a Coluna Flexível me fez perder o medo de todas as palavras. Bem, não digo isso porque sou muito macho e corajoso não, um pouco é porque amadureci, mas principalmente porque a ditadura não voltou.

Mas, como ia dizendo, o tempo passa e, quando vemos, já é Natal outra vez. A crise tá terrível, mas as pessoas se acotovelam nos shoppings, os restaurantes estão lotados e, mais uma vez, vou comer na ceia o que Jesus não comeu na vida inteira dele. Juro, não consigo reclamar, preciso é agradecer, não por comer mais do que Jesus, claro, mas por ser feliz enxergando a vida da forma que enxergo, sabendo que é preciso mudar tantas coisas, mas que também já há tanta coisa perfeita nela.

Quando vejo que todos aqueles meus desejos são muito complexos e aconteceram de forma tão simples, mais uma vez agradeço à vida, por me reafirmar que as grandes realizações pessoais envolvem a simplicidade de se dar o máximo valor àquilo que se possui… e aquilo que a gente realmente possui está dentro de nós, esperando que a gente encontre e explore: não são posses materiais, essas não têm valor algum, só custam.

Nesse período eu aprendi que não existem más palavras, todas elas podem ser ditas e todas podem ser bonitas, se colocadas com intenções positivas. Fazendo uma retrospectiva, não consigo encontrar nenhuma palavra que eu tenha colocado que tivesse alguma intenção ruim, mas tenho certeza que causei desgosto, inclusive a pessoas queridas, com coisas que escrevi. Sinto muito, nunca foi a intenção, mas outra lição aprendida é a de que é humanamente impossível agradar a todos e estou ciente de que meus textos não têm essa finalidade.

Me desagrada ter desagradado pessoas a quem eu não queria desagradar; por outro lado, recebi inúmeras demonstrações de carinho, reconhecimento, apoio e gratidão. Gente, que o Glauco não nos ouça, mas não há pão com mortadela que incentive mais do que a empatia, do que palavras de carinho e reconhecimento e do que uma crítica construtiva, obrigado! Agradeço imensamente a todos os que gastaram momentos únicos de suas vidas interpretando as minhas palavrinhas.

Agradeço ao Glauco pela oportunidade que deu a um veterinário de ocupar de forma produtiva o seu tempo ocioso e com isso não ter precisado pagar um analista ou assistido a novelas da globo. (a Coluna Flexível me dá a liberdade de iniciar com maiúsculas somente as palavras que eu considerar merecedoras de maiúsculas dentro do contexto).

Agradeço à minha família, minhas três meninas, pelo apoio e paciência. Agradeço a todos os que me inspiraram com uma boa conversa, uma boa risada, uma contestação inteligente. Agradeço aos leitores mais assíduos (viu, mãe?! Mas sei que há outros!), aos esporádicos e até aos que leram uma vez e disseram “nunca mais!”. Sem vocês eu não teria continuado. Cem, vocês sabem?

Não consegui cumprir a meta de escrever um texto por semana, foda-se (aqui colocado na melhor das intenções). Alguns dirão que não consegui cumprir a meta porque sou de esquerda, mas afirmo que, na média, a meta foi até superada. Se você chegou até aqui na leitura, saiba que está lendo o meu centésimo texto, que ele é parte de um presente de Natal e que ele só existe graças a nós, eu, vocês e a vontade que a vida teve pela vontade que eu tinha.

O meu presente de natal é do tipo “meu pra mim”, mas é um presente que pode ser dividido com quantas pessoas quiserem receber, estou distribuindo! Ele não custa mais que um pão sem mortadela, mas cada um pode dar o valor que quiser.

O presente está representado por este centésimo texto.

O presente não é o texto em si, mas o futuro que só será o que será porque houve 99 textos antes desse. O presente está no fato de que somos o “partido da humanidade” e cada um de nossos membros está cheio de palavrinhas inexploradas, esperando uma boa intenção e um empurrãozinho para provocar uma revolução no futuro. Aguardem, mas não inertes, porque o melhor do presente vem… Daqui pra frente.