Por Alberto Kopittke

Glauco UmbelinoAlguns números sobre a situação da criança e adolescente em Porto Alegre podem ajudar a perceber a condição desse segmento em nosso país, 25 anos depois da Constituição Federal.

O Mapa da Segurança Pública e Direitos Humanos de Porto Alegre de 2014 demonstrou que Porto Alegre, uma cidade com razoável nível de desenvolvimento humano, teve 8.502 casos registrados de crianças e adolescentes vítimas de violência, dos quais 44% ocorridos dentro da própria casa.

Apenas na capital gaúcha, mais de mil crianças abandonam a escola antes de completar o ensino fundamental e, no ensino médio, a taxa de abandono chega a 10% do total de alunos, a cada ano.

Os Conselhos Tutelares possuem pouca estrutura de trabalho, as escolas não possuem equipe para acompanhamento psicológico, praticamente nenhuma lei municipal aprovada nos últimos 10 anos sobre prevenção à violência nas escolas se tornou realidade, a cidade não conta com nenhuma política específica de prevenção à violência e não parece que as forças de Segurança Pública tenham evoluído muito na sua forma de lidar com o tema da violência juvenil.

Infelizmente, Porto Alegre não é uma exceção em relação ao resto do Brasil. No ano em que aprovamos a Constituição de 1988, o Brasil teve 2.300 crianças e adolescentes vítimas de homicídios. Em 2014, esse número chegou a 11.000, atrás apenas da Nigéria, fazendo do Brasil o sexto lugar mais perigoso do mundo para um adolescente viver.

É ilógico e contraditório, para dizer o mínimo, que uma sociedade que não se dispõe a cuidar e proteger suas crianças se preocupe tanto e de forma tão simplista a elevar o grau da punição de seus adolescentes.

Ao invés de mobilizarmos esforços para construir políticas públicas eficientes de redução da violência, mais uma vez vamos chamar o Direito Penal para resolver problemas sociais.

A redução da maioridade penal representa abrir mão do que há de mais profundo em nosso projeto comum, inscrito na Constituição: a ideia de que vamos construir uma sociedade com base na garantia efetiva de direitos e liberdades e não na barbárie crescente da força, que o projeto autoritário anterior representava.

Muito mais do que a questão formal sobre cláusula pétrea, estamos prestes a revogar a substância mais básica da nossa Constituição: a solidariedade social como elemento fundamental do nosso projeto de nação.

Estamos renunciando ao que pactuamos em 1988, em relação a nossa juventude, sem efetivamente termos construído mecanismos de proteção a ela. E o que é mais assustador é que nesse período nosso país cresceu economicamente e se desenvolveu socialmente.

Não prevenimos a violência entre nossas crianças e jovens, principalmente os da periferia, porque não quisemos. Se hoje temos uma quantidade crescente de adolescentes autores de crimes violentos, é porque fizemos opções erradas enquanto sociedade, sempre achando que o Direito Penal seria o melhor remédio para prevenir o uso de drogas ou a criminalidade, ao invés de políticas de prevenção. E agora, quando provamos que o mal se banaliza, mais uma vez, é a ele que recorremos.

Efetivamente a violência cometida por jovens tem aumentado, mas não porque gozem hoje de excesso de liberdade ou proteção, mas porque sua vulnerabilidade a violência está aumentando.

E qual a resposta simplista? Empurrarmos ainda mais rápido a massa juvenil, já em elevado nível de vulnerabilidade, para os braços abertos do crime organizado que comanda o sistema prisional brasileiro.

Será que nossa crença na construção coletiva de um projeto se mostrou equivocada ou será que estamos abrindo mão desse projeto, mais uma vez, sem sequer efetivamente construí-lo?

Como diz o ditado chinês: o medo e o ódio são os piores conselheiros da sabedoria. Parece que estamos escolhendo péssimas companhias para definir os rumos de nosso país e o futuro da nossa juventude. Alberto Kopittke é vereador em Porto Alegre (Do Sul 21)