intervencaoOs protestos contra o governo poderiam até ser comemorados antes mesmo de sua realização como um exercício da democracia caso houvessem reivindicações negociáveis, mas a ideia que move os manifestantes é a simplesmente derrubar um governo impopular.

Por mais terrível que a gestão seja, incompetência não é embasamento legal para um impeachment, portanto o teor da manifestação já parte de um pressuposto radical e ilegal.

É lamentável o fato de que uma parcela do grupo que da coro aos protestos lançam mão de valores nacionalistas e religiosos, flertando com o autoritarismo. Discursos de ódio ainda são uma reação instintiva a períodos de crise econômica e institucional, e assim, medidas absurdas e antidemocráticas, como intervenção militar, têm ganhado a simpatia de parte da classe média.

O perfil do cidadão que transforma descontentamento em ódio se resume a convicções nacionalistas e religiosas, e por se tratar de conceitos abstratos, formados em parte por coberturas jornalísticas questionáveis, é possível que haja discórdia até mesmo entre aqueles que aparentemente compartilham os valores tão tradicionais do cidadão de bem.

Nacionalismo extremo como ideologia remete a exemplos que sempre resultaram em abuso de autoridade, além da instrumentalização de elementos culturais como símbolos de um partido, seja de esquerda ou direita, e, dessa forma, a organização de grupos civis que acreditam na unidade nacional-religiosa como forma de resistência política simplesmente desconsidera o valor do secularismo para construir e aperfeiçoar um estado.

Segundo o sociólogo José Kunhavalik, “o nacionalismo esteve presente em diferentes constelações políticas e ideológicas. ” Além disso, os que se auto-proclamam parte de uma resistência nacionalista partem do pressuposto de que existe uma ameaça externa ao grupo do qual fazem parte, ou seja, entendem que em algum momento de sua jornada ideológica a violência é um meio para chegar ou manter o poder, transformando excessos em políticas de estado. O conceito de nação adotado por radicais, a exemplo do deputado carioca cujo lema é “Brasil acima de tudo”, desconsidera qualquer minoria, ignora o diálogo e esquece que nossos elementos nacionais surgiram a partir da criação das instituições estatais e de uma elite política, não o contrário.

Depois de sete eleições gerais consecutivas o nível de debate poderia ser outro, sinalizando mais pragmatismo no que diz respeito a observação do ambiente político, mas o democracida que ignora nossa história recente simplesmente lança mão da liberdade para defender o autoritarismo e, sob uma onda de medo e más notícias endossada por jornais que sempre torcem pelo pior, difundem o ódio de forma oportunista.

Quando o executivo fracassa, o que ainda não aconteceu totalmente, apesar de a presidente ter conseguido se isolar dentro do próprio partido, a consequência não pode ser um plano para derrubá-lo e extinguir um sistema que, apesar de imperfeito, é umas das maiores conquistas da humanidade, já que permite construir ideias de forma coletiva e sua evolução é intrínseca ao senso de comunidade de seus eleitores.

O primeiro mandato de Dilma Rousseff é marcado pela falta de diálogo, pressuposto básico para governabilidade, assim como pela desordem econômica, e infelizmente ambas as tendências devem ser mantidas no segundo mandato, haja vista a inflexibilidade da presidente. Mesmo assim, a falta de habilidade não deve ser desculpa para que extremistas religiosos e ultra-nacionalistas, valores totalmente desprezíveis para uma “pátria educadora”, assassinem a democracia num país ainda pouco acostumado com seu exercício. Em tempos de desespero totalitário, vale lembrar quando Winston Churchill citou que “a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as outras formas que foram experimentadas de tempos em tempos”.