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A queda de Ícaro, Pieter Bruegel (1563)

Museu de Belas Artes

No que diz respeito ao sofrimento, nunca se enganaram
os velhos mestres da pintura: como entenderam bem
a sua dimensão humana; como ele ocorre
enquanto as outras pessoas comem ou abrem uma janela ou simplesmente passeiam;
como, na hora em que os mais velhos aguardam reverente, apaixonadamente
o nascimento milagroso, sempre há
crianças que não estão nem aí para ele, patinam
num lago do bosque.

Nunca eles esqueceram
que mesmo o martírio mais horrendo deve acontecer
de forma simples numa esquina qualquer, num lugar sujo
cheio de cães vadios, onde o cavalo do algoz
arraste o traseiro inocente numa árvore.

No Ícaro de Breughel, por exemplo: tudo volta as costas
calmamente ao desastre: o lavrador talvez tenha
ouvido o mergulho, um grito no ar;
mas para ele não era nada demais; o sol brilhava
como sempre sobre as pernas brancas que afundavam na água
esverdeada; e o delicado, luxuoso barco que viu,
talvez, aquela coisa surpreendente, um rapaz caindo do céu,
tinha um destino a atingir, e para ele suavemente navegou.

(tradução José Paulo Paes)