Parece difícil entender porque o Brasil é um país tão desigual, mas existem normas técnicas exatamente para manter a segregação social e a desigualdade. Um exemplo é a legislação (Lei Complementar nº 15/ 2006) que vigora em Campinas e que impede a construção de moradia popular em alguns bairros.

debate moradia popular

Debate condena apartheid habitacional

Por esse motivo, houve um debate público realizado na Câmara Municipal esta semana que condenou a legislação que segrega moradias populares em algumas regiões da cidade. Foi consenso entre as pessoas que lotaram o Plenarinho da Câmara Municipal, na quinta (27/ 2), a necessidade de liberar todas as macrozonas de Campinas para a construção de Empreendimentos Habitacionais de Interesse Social (EHIS), desde que seguidas as diretrizes do Estatuto das Cidades.

O debate reuniu representantes de cooperativas, de entidades, do movimento pelo direito à moradia, de Conselhos Municipais, profissionais e pesquisadores.

O ponto de partida do debate foi o Projeto de Lei Complementar nº 4/ 2014, de autoria do governo municipal, que chegou à Câmara há poucos dias e pretende permitir EHIS em mais algumas regiões da cidade (denominadas macrozonas), mas ainda mantém restrições, como os distritos de Sousas, Joaquim Egídeo e ao menos parte de Barão Geraldo.

Conforme legislação em vigor em Campinas (Lei Complementar nº 15/ 2006), os EHIS são permitidos somente nas macrozonas 5 (região oeste- Campo Grande e Ouro Verde), 9 (região noroeste- distrito de Nova Aparecida, Boa Vista, Amarais) e em parte da 4 (Centro histórico e bairros no entorno). A proposta da Prefeitura é incluir também as macrozonas 6 (região sul- divisa com Valinhos), 7 (Aeroporto de Viracopos e bairros no entorno) e 8 (Alphaville, Parque Imperador e Chácaras Gramado) e também liberar toda a macrozona 4, e em todos os casos sem a necessidade de que as áreas já tenham Planos Locais de Gestão. Sousas, Joaquim e Barão ficam de fora

Assim, a proposta do prefeito ainda impede os EHIS nas macrozonas 1 (Sousas e Joaquim Egídeo), 2 (Vale das Garças, Bosque das Palmeiras, Village Campinas) e 3 (universidades, plantio de cana e Mata Santa Genebra). O objetivo é acabar com a segregação social do solo municipal, eliminando a delimitação de áreas residenciais acessíveis somente à população com renda elevada.

Dessa maneira, a expectativa é de que a terra se torne mais acessível às cooperativas de habitação popular e às construtoras que investem em moradia pelo Programa Minha Casa Minha Vida (para população com renda de 0 a 3 salários mínimos), já que hoje as áreas disponíveis nas poucas regiões que permitem os EHIS estão supervalorizadas. Sem contar a infraestrutura, que já é boa nestas regiões, por isso reduziria os custos dos empreendimentos populares e garantiria melhor qualidade de vida aos moradores.

Participantes do debate também indicaram necessidade de limitar renda dos beneficiados em até 3 salários mínimos e o mapeamento das áreas que podem receber estes empreendimentos, para evitar especulação imobiliária ou outra destinação.

Segundo o vereador Carlão do PT, que organizou o debate, a ideia é chegar à Audiência Pública, que a Câmara tem que realizar para debater o PLC (ainda não marcada), com as propostas de emendas já bem definidas, para fortalecer o debate e viabilizar a aprovação pela maioria dos vereadores.

Para Ernestina Oliveira, advogada e professora de Direito Ambiental e Urbanístico, é um absurdo excluir as macrozonas (1, 2 e 3). “Agora, esse PLC não tem critério nenhum. Tá na cara que isso será para viabilizar lotes pequenos, que serão supervalorizados, destinados à classe média, como já vem ocorrendo devido a brechas na Lei Municipal 10.410. Está em aberto e isso é proposital, para atender aos interesses do Setor Imobiliário”, afirmou.

Para a socióloga Doraci Alves Lopes, o projeto silencia quanto à definição de 0 a 3 salários mínimos, que é a maior demanda da cidade. “Quando se fala em “baixa renda”, como está no Projeto, inclui famílias com renda de 0 a 6 mínimos. Os empreendimentos do Minha Casa Minha Vida precisam ser feitos onde tenha estrutura, como creche, posto de saúde, asfalto, transporte. Campinas já tem histórico de segregação social em habitação e, com esta proposta, este governo (municipal) está produzindo uma urbanização segregacionista, definindo onde é lugar de rico e onde é lugar de pobre”, ressaltou.

A questão do transporte também foi colocada com a fala de Lúcio Rodrigues, da Central de Movimentos Populares. “Minha esposa trabalha como empregada doméstica em Barão Geraldo e moramos do outro lado da cidade. Ela perde muito tempo e sofre diariamente com a baixa qualidade do transporte público. Moradia popular deve ter em toda a cidade. Não dá pra ter só rico de um lado e só pobre de outro”, disse.